Do exercício da posse de má-fé e da constituição de propriedade equivocada
Até pouco tempo atrás, ouvia-se muito a existência apenas do chamado contrato verbal, onde “a palavra” dos contratantes era suficiente o cumprimento das obrigações.
Com a evolução do direito contratual, o campo dos negócios jurídicos, nas suas diversas modalidades, passou a exigir maior formalização.
Contrato escrito é a instrumentalização da vontade das Partes envolvidas, podendo ser público (feito em cartório) ou particular. Nele deve constar as obrigações de cada um e as penalidades em caso de descumprimento contratual, tais como incidência de juros e multa.
Ocorre que estamos vivendo em um momento muito crítico que ninguém jamais pensou que o mundo passaria nos tempos atuais: Isolamento social a fim de diminuir a propagação e ocorrência de mais mortes causadas pelo coronavírus (COVID 19).
Inegável que todas as pessoas, de alguma forma, foram e serão atingidas por esta situação excepcional, que nos provoca a chamada Pandemia do Coronavírus, tais como: empresários, profissionais liberais, empregados, servidores públicos, etc. Inegável, ainda, que reserva financeira é algo não muito praticável nos dias de hoje, por razões culturais e sociais, diga-se de passagem.
Em razão da pandemia do coronavírus, há muitos cidadãos que estão sofrendo ou sofrerão, ainda que em caráter provisório dada a excepcionalidade do momento, restrições financeiras, com diminuição de suas fontes de renda, de forma parcial, ou até mesmo total.
Diante deste cenário, como ficam os compromissos assumidos contratualmente, se as pessoas estão com a renda comprometida, sem condições de honrar obrigações assumidas quando o tema coronavírus era desconhecido do mundo jurídico?
Ora, afinal, as contas não deixam de chegar e vencer, embora os compromissos tenham sido feitos antes da crise.
Há casos em que os contratos celebrados duram certo tempo, muitas vezes com obrigações periódicas a serem cumpridas, tais como contrato de aluguel, compra e venda parcelada, etc, e são destes que vamos tratar.
O Código Civil Brasileiro prevê a possibilidade de ocorrência de excepcionalidades que podem impedir ou postergar o cumprimento de tais compromissos assumidos em contrato.
Estabelece o artigo 421 do Código Civil Brasileiro que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
A função social do contrato possui o sentido de finalidade coletiva, sendo efeito do princípio em questão a mitigação ou relativização da força obrigatória das convenções, também conhecido como Princípio do Pacta Sunt Servanda.
Referido princípio estabelece que as Pessoas são livres para contratar entre si, podendo estabelecer direitos e obrigações recíprocos, que devem ser cumpridos, atendendo aos interesses da pessoa humana colocados em documento válido, sob pena de consequências legais.
Ocorre que em circunstâncias como a que estamos vivendo, pandemia do Coronavírus e isolamento social, é possível a flexibilização do contrato outrora celebrado, diante da imprevisibilidade do cenário deste momento, desde que a situação contratual a ser analisada se enquadre na chamada Teoria da Imprevisão.
Assim, em decorrência da famigerada Pandemia, os contratos que eventualmente se encontrarem em desequilíbrio ou excessivamente onerosos para uma das partes ou para ambas, podem ensejar a aplicação da Cláusula Rebus Sic Stantibus, que prevê hipótese de modificações, ou até extinção do contrato, diante da aplicação da Teoria da Imprevisão.
O parágrafo único do artigo 421 do Código Civil prevê a possibilidade excepcional de revisão contratual.
Em casos extremos, há possibilidade até para a resolução do contrato, como se verifica do disposto no artigo 478 do Código Civil, in verbis:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Em outras palavras, o contrato faz lei entre as Partes enquanto a situação permanecer no mesmo estado no qual estava quando foi celebrado. No entanto, havendo modificação no cenário de quando foi celebrado, pode ser aplicável a Teoria da Imprevisão, como retro demonstrado.
No entanto, para a aplicação desta Teoria (Teoria da Imprevisão), é necessário e indispensável que os Contratantes provem o prejuízo ou a onerosidade excessiva, que implique no comprometimento do equilíbrio contratual em função do isolamento social, pois cada cidadão vive uma situação diferente.
O ideal, em casos afetados pela crise, é a modificação equitativa das condições do contrato, conforme previsto no artigo 479 do Código Civil.
Verifica-se que o artigo 479 do Código Civil está em perfeita sintonia com a boa-fé contratual, um dos princípios mais importantes do contrato, que deve, inclusive nesse momento, ser trazido à tona, tendo em vista que o bom senso, em casos tais, deve prevalecer para aditamentos ao contrato, ou até mesmo rescisão, analisado cuidadosamente assim como o foi quando da celebração do contrato primitivo.
Em ambos as casos, é imprescindível a demonstração da forma que a atual pandemia alterou a realidade contratual de cada um, pois não se trata de algo automático, como pode parecer a princípio.
Portanto, é recomendável que quem se sentir inapto a cumprir as obrigações assumidas perante terceiros, por qualquer motivo excepcional e imprevisto anteriormente, deve, de boa-fé, juntamente com o outro contratante, buscar a melhor solução para o contrato em questão, inclusive se colocando no lugar do outro, tendo em vista que todos foram afetados com a pandemia do Coronavírus.